sexta-feira, 24 de novembro de 2006

O CHORUME

Dependendo das situações vividas, o cidadão comum, esse, do tipo que paga em dia seus impostos, taxas e contribuições, e que, em contrapartida, nada recebe nada em troca, fica desacreditado da justiça, e perde um bem precioso: a esperança.

Será que vale a pena ser honesto? “- Claro que sim”, diria um avô ao seu netinho, e desandaria a dar mil exemplos dessa virtude, invocando suas reminiscências, pinçadas de uma memória combalida.

Com tantos exemplos negativos, vindos de pessoas que deveriam servir como modelo de retidão, aquele netinho, no fundo, achará que seu carcomido avô apenas delirava, até porque, os jornais estampam todos os dias, a vitória acachapante da mentira, numa inversão grandiosa de valores.

E não precisamos ir muito longe para observarmos esse fenômeno. Pessimistas, sempre achamos que tudo de ruim que possa vir a acontecer tem um endereço certo, o nosso. E é verdade.

Se um ladrilho da calçada, em frente a sua casa, soltar-se, alguém irá tropeçar, ferir-se, e lhe processar. Na melhor das hipóteses, você receberá uma intimação da vigilante prefeitura, dando-lhe um prazo para os reparos necessários, sob pena de multá-lo até à exaustão.

Respirando honestidade e cidadania, você coloca a cabeça para fora da janela da sua casa, e, estupefato, observará uma quantidade imensa de irregularidades, sem que nenhum órgão público mostre seus dentes e suas garras aos infratores. Deve haver um motivo relevante para esse “não tô vendo nada, não senhor”.

Percorra a cidade, e verifique que a maioria dos estabelecimentos comercial tomou para si, o espaço de recuo obrigatório das construções, edificando sobre elas, e agregando o valioso apêndice ao prédio principal. Tudo sob o olhar complacente, e debaixo do nariz da administração municipal.

Nariz que se mostra insensível, incapaz de captar o odor nauseabundo, que vem do chorume diariamente despejado por um supermercado na rua Vergueiro Steidel, e que segue formando caudalosos afluentes até a rua Pirajá da Silva, escorado pelo passeio público, onde um honesto munícipe aguarda a oportunidade de fazer a travessia.

Incauto, apenas preocupado com o trânsito, não observa que logo abaixo de seus pés, move-se sorrateiramente, o temível chorume, destruidor implacável de meias, calças, camisas, sapatos, chinelos e compromissos pessoais. E essa desatenção lhe será fatal, quando um caminhão, que estava irregularmente estacionado, põe-se em movimento, fazendo com que a poderosa marola respingue em sua roupa, e em sua alma de honesto.

O chorume, e todo o lixo espalhado por conta do shopping e de seu parceiro, o supermercado, fazem parte de um cenário indigesto, que leva a população a entender que também pode cometer deslizes, sem que seja penalizada. E o que se vê, como resultado dessa desobediência coletiva, é o caos na limpeza pública, onde todos se salvam, menos aqueles que têm esperança, e que, teimosamente, cultivam a honestidade, até que um dia, o chorume leve tudo para o bueiro mais próximo.


Direto da redação: Raul Brandão

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